sexta-feira, fevereiro 23

olha eu!!!!

a Kikas e a Chuchu estiveram a desenhar a tia raquel...



sexta-feira, fevereiro 16

pensamentos dos outros

Caladas, quietas e viradas para a frente

Fernanda Câncio

Durante a campanha, era que não devia haver campanha. Que o assunto não se prestava a barulho, discussão, declarações. Era assim uma coisa para reflectir, em recolhimento e silêncio, sem indignações nem fúria nem grandiloquências.

Não, barulho nenhum, nem sequer quando apareceram as cartas "do embrião à mãe que o matou à facada" nas mochilas das crianças de infantário, nem sequer quando se exibiam fotos de fetos com vinte e muitas semanas apresentados como se fossem de 10, ou quando se mentia sobre os "aumentos exponenciais" dos abortos legais nos países onde se despenalizou.

Não podia haver indignação nem fúria quando se qualificava a última morte por aborto conhecida, a de uma adolescente de 14 anos em Santa Maria, em 2005, como "invenção" ou "suicídio com êxito". Não, não podia: mulheres indignadas e em fúria, já se sabe, soa a histeria. E nada revolta mais os estômagos sensíveis que a histeria das mulheres. Homens a gritar ainda vá, por exemplo aos guinchos no parlamento a chamar nomes a outros homens (ou a mulheres) para "defender a honra" é uma coisa até, digamos, digna. Mas mulheres a querer defender a honra, não. Mulheres enervadas até ao tutano por lhes passarem atestado de capacidade diminuta, por lhes dizerem que as mortes de mulheres não contam, que o Estado tem o direito de lhes decidir da vida, nem pensar.

Uma mulher enervada - por exemplo Lídia Jorge no Prós & Contras, tentando explicar o que sente uma mulher que rejeita a gravidez - foi apresentada como "excesso" comparável às ameaças de excomunhão protagonizadas pelos padres do Não ou aos folhetos terroristas dos fetos "assassinados". Uma Lídia Jorge indignada valeu por todas as obscenidades da campanha do Não. Que maravilha.

Mas o melhor estava para vir. Na noite do referendo, quando se soube que o Sim tinha ganho e os aplausos, os risos e as lágrimas do "até que enfim" tomaram conta do Altis, não faltou quem torcesse o nariz. Que não era tema para aplausos, muito menos de alegria. Que tanta felicidade era desajustada, talvez até ofensiva. Que ficava mal festejar. Que não era bem uma vitória. Engraçado. Eu ia jurar que sim. E ia jurar até que, por incrível que pareça, todas e todos nós, os que ganharam, sabemos exactamente o quê e o que implica. E mais: ia jurar que estamos todos - e todas, sobretudo -muito fartos que nos digam o que é bem e o que é mal. Foi sobre isso o referendo, sabiam?

terça-feira, fevereiro 13

20 anos. tanto tempo e tudo mudou tão pouco...

quando me disseram que já passaram 20 anos, não consegui acreditar. foi ontem, a última vez que passei lá por casa, em Azeitão, já as palavras custavam a sair, aprisionadas entre uns pulmões que já não respondiam e uma mascara de oxigénio incomodativa, as palavras, pensamentos aprisionados num corpo que já não correspondia ao cerebro sempre activo e demasiado lucido.
nunca me esqueci daquela conversa, a ultima, a de ontem, em que agonizavas e no entanto tinhas as forças suficientes para chamar os vampiros pelos nomes, esses filhos da puta que te tinham esquecido e não te ajudaram, esses..., os que vieram chorar a tua morte e reclamar como sua a tua vida. tu sabias. bem o disseste, com o muito esforço que fazias para falar "vais ver, quando eu morrer, os vampiros vão andar todos a dizer que fui um grande homem e a lamentar a minha morte", e assim foi.
muitos outros te choraram. gente que de ti apenas conhecia a palavra e é quanto baste para conheçer o homem.
o destino tem destas ironias. só agora, fevereiro de 2007, se vai finalmente despenalizar o aborto. luta de muitas mulheres e homens, luta de muitas que não sobreviveram aos carniceiros. finalmente.
eu sei que parece anedota de carnaval, afinal apenas uma semana separa estes 2 eventos.
mas eu, eu sei de que lado da luta estou e sempre estive, sei quais as batalhas que há para vencer, apesar desta guerra não ter resolução à vista.
e tambem sei onde estive à 25 anos atras, num domingo de Carnaval.

Alvito, 1982